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A pedra no sapato

Coisa rara na história do Oscar. Neste ano, o Brasil terá um representante e forte candidato a ganhar como Melhor Documentário no Oscar 2011, o Lixo Extraordinário (2009). A obra une dois opostos: um dos mais influentes artistas plásticos do Brasil, Vik Muniz, e o maior aterro sanitário, não só do Brasil mas do mundo: o Jardim Gramacho. O documentário feito a várias mãos mostra o projeto do artista, famoso por fazer arte usando matérias-prima fora do comum, como por exemplo comida, que desta vez optou por usar lixo, mas não só isso, também fez os catadores do Jardim Gramacho participarem ativamente da criação das obras. Ele faria suas peças a partir de fotografias tiradas dos mesmos, e aparentemente era nisso que se consistia o documentário. Porém a história da cada um dos catadores, e a maneira como todo o projeto mexeu com eles e com o próprio Vik foram ganhando vida, fazendo com que a confecção da arte e a mudança que ela causou na vida daquelas pessoas ocupassem um mesmo espaço e importância dentro do documentário. A criatividade de Vik, a lição passada, e a emoção causada (pessoas de todas as idades chorando no fim da sessão que assisti), tudo isso trazendo a esperança da produção quase 100% brasileira conquistar o tão almejado prêmio. Tem tudo pra ganhar. Será? Talvez, se não fosse pelo que eu poderia chamar de atual pedrinha no sapato de Vik Muniz: um dos outros concorrentes na disputa por Melhor Documentário, Exit Through The Gift Shop (2010). Por uma infeliz (para os realizadores de "Lixo Extraordinário") coincidência, o documentário também fala de arte. Mas não fala de seu poder transformador, nem do quanto ela é essencial, nem nada disso que costumamos ver em obras sobre o tema. Exit Through The Gift Shop aponta o dedo na cara do cenário da arte moderna atual e dá gargalhada. Questiona os rumos que a arte seguiu ao longo dos anos até chegar nos dias de hoje, e na mudança não só da arte mas da maneira como ela é vista. Não é mais preciso ter algum sentido? A arte não precisa mais dizer, apenas ser? Hoje em dia qualquer um pode ser artista, e a publicidade e a arte andam de mãos dadas? Essas são algumas das questões levantadas.

O filme é de autoria de Banksy, o artista de rua mais influente da atualidade. Suas obras, antes somente expostas pelas ruas gratuitamente pra quem quisesse ver, hoje em dia é vendida por milhares de dólares em casas de leilão requintadas. Sua exposição, visitada por artistas de Hollywood. Tudo isso é mostrado no documentário. Mas a história não gira em torno de Banksy, mas sim de Thierry Guetta, um excêntrico imigrante francês em Los Angeles, pai de família que possuía uma loja de roupas e tinha o estranho hábito de filmar todo o seu dia-a-dia, incansavelmente. Até que conhece o trabalho de seu primo que é artista de rua, cria peças baseadas no jogo Space Invader e sai espalhando-as por aí. Thierry fica então obstinado a acompalhá-lo em suas aventuras e registrar tudo, a atividade torna-se um vício e em pouco tempo ele já está registrando não só o trabalho de Space Invader mas também de vários outros artistas de rua, inclusive de Banksy. Nessa primeira metade do documentário podemos conferir diversos trabalhos, muitos deles realmente inspiradores. Apesar da ilegalidade nas suas atitudes, é impossível ficar indiferente à street art e não reconhecer o talento dos seus artistas.
Em meio a isso tudo, Banksy, percebendo a falta de talento de Thierry para o cinema, "inocentemente" sugere a ele que tente fazer arte e que exponha seus trabalhos, e chame "algumas pessoas". Considerando a natureza extremista de Thierry, obviamente a coisa toma grandes proporções. Aí surge aquele questionamento que fiz antes: Qualquer um pode ser artista? Analizando a trajetória de Thierry, aparentemente hoje em dia não é necessário muito pra isso, se for esperto, ousado e fugir das regras. Mas isso é necessariamente ruim ou é somente uma mudança, comum com o passar dos anos e a transformação da sociedade e seu modo de viver e pensar? Isso rende discussões intermináveis.
Tudo isso já seria o bastante para Exit Through The Gift Shop ser um sucesso e merecidamente um dos concorrentes ao prêmio da academia. Mas além disso tudo, cada minuto do documentário, e o próprio Thierry por si só, fez com que muitos questionassem a veracidade dos fatos. Cogita-se a possibilidade de tudo ser uma farsa criada por Banksy, que em seu trabalho sempre cutucou, questinou e criou controvérsias assim como em seu documentário. Seria tudo um filme muito bem feito para parecer um documentário, criado para Banksy divulgar a street art e continuar seu trabalho usando uma outra linguagem, dessa vez a cinematográfica? Parece que sim, e tudo isso faz o documentário(?) ser ainda mais original. E infelizmente reduz o impacto causado por Lixo Extraordinário.
Os dois apresentam, cada um a seu modo, o efeito que a arte pode causar nas pessoas. Enquanto um sustenta o lado positivo e tradicional o outro apresenta diversas nuances, a princípio destacando os belíssimos trabalhos dos talentosos artistas de rua espalhados pelo mundo mas também se faz notar que o significado da arte se perdeu(ou se modificou) com o tempo. Lixo Extraordinário e Exit Throught The Gift Shop trouxeram à academia assuntos importantes no que se dá respeito à arte moderna, cada um a seu modo. Resta saber se o que preza pela emoção vai ganhar, ou o que diverte e polemiza, ou nenhum dos dois. Mas ambos tem seu mérito.

Lixo Extraordinário ~ Trailer
Exit Throught The Gift Shop ~ Trailer
 
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